quinta-feira, agosto 11

PET TAMBÉM É FASHION?


Quando as relações entre humanos são empobrecidas, os animais podem exercer papéis substitutos e sofrerem com isso.”

Será que nós, animais humanos, não estamos exagerando nas relações com nossos amigos animais não humanos? Por que esse ímpeto de tratá-los como gente? Não basta o carinho, o respeito e, claro, alguma mordomia porque ninguém é de ferro... Alguns bichinhos de estimação são tratados como príncipes e princesas e a indústria pet aproveita e oferece o que o consumidor ávido por vaidades procura: roupas de grife, joias, linhas de produtos de higiene e beleza de causar inveja à Gisele Bündchen . Por que isso acontece? Para discutir essas questões, reproduzo aqui a entrevista que Ceres Faraco concedeu à jornalista portuguesa Ana Pago e que foi publicada nas revistas encartadas nos jornais portugueses DIÁRIO DE NOTÍCIAS E JORNAL DE NOTÍCIAS. Ceres Faraco mora em Porto Alegre, é médica veterinária, doutora em Psicologia, especializada em comportamento animal, professora da FACCAT/RS (Faculdades Integradas de Taquara) e presidente da AMVEBBEA (Associação Médico-Veterinária Brasileira de Bem-Estar Animal).

Observação: mantive o original nas perguntas da jornalista. Apesar de falarmos a mesma língua, vocês verão que algumas palavras têm grafia diferente. É que Portugal ainda não aderiu à Reforma Ortográfica. Uma “resistência ibérica”. Aqui, abaixo da Linha do Equador, somos mais “complacentes”...

A entrevista:

P: Dados os números que apontam para um crescimento do fenómeno dos luxos para pets (nomeadamente cães de pequeno porte e gatos), como se explica esta necessidade de os donos mimarem os seus animais com objectos e serviços que muitas vezes são considerados ofensivos por quem passa dificuldades econômicas no dia-a-dia? Trata-se de algum gênero de compensação afectiva, de extravagância e exibicionismo perante os outros?

R: Creio que para entender esse comportamento precisamos pensar que para os humanos além das necessidades básicas contam os desejos e as vontades, os mitos e o simbólico. As necessidades nos propiciam a vida, mas são os demais aspectos que integram dimensões sociais, emocionais e simbólicas. Dito de outra maneira conecta-se “eu quero”, “eu gosto” e “eu sinto” ao que se reconhece como “eu preciso”.

P: Há no consumo do luxo um caráter simbólico com significado social e psicológico sempre presente nas diferentes culturas e ao longo da trajetória da humanidade?

R: No mundo contemporâneo, o que se observa em uma parcela das relações entre pessoas e animais de companhia é o que alguns consideram como excesso ou exagero. É aquilo que agrada aos sentidos, aos valores da moda, da estética e a riqueza. No entanto, essa atitude nada mais é do que uma representação dos valores existentes em determinados segmentos da sociedade.

P: O fato dos animais de companhia estar ampla e intimamente incluídos nas nossas vidas é que propicia serem vistos como “consumidores” no mercado do luxo?

R: Cabe destacar que o desconforto gerado pelo luxo e ostentação num mundo em que segmentos humanos vivem com extrema dificuldade econômica sempre existiu e é legítimo. Creio que o foco central da questão é se é aceitável o luxo sob o ponto de vista ético e moral. A questão do consumo de luxo direcionado aos animais é apenas um reflexo das necessidades humanas egocêntricas de experiências de consumo privilegiadas.

P: Porque razão, também, se vê cada vez mais pessoas a tratarem os seus animais como gente? Tem a ver com o contexto em que vivemos em que muitas vezes sentimos comprometidos os laços de amizade e há propensão para fechar o círculo das relações? E tal é benéfico ou, pelo contrário, prejudicial para os animais?

R: As pessoas percebem os animais como humanos ou quase-humanos por diferentes motivos. Um desses é o antropomorfismo, ou seja, há uma humanização que considera o animal com atributos humanos e como consequência esse é tratado como se assim fosse. Nesse caso, as pessoas acreditam que os animais pensam e têm comportamentos semelhantes aos das pessoas. Isso é uma distorção e pode provocar prejuízos ao bem-estar dos animais. Em outras situações há pessimismo e descrença na possibilidade de relação com outras pessoas e essa percepção torna a vida social de alguns indivíduos muito limitada. Não acredito que isso ocorra na maioria dos casos, mas não podemos negar esse fato. Quando as relações entre humanos são empobrecidas, os animais podem exercer papéis substitutos e sofrerem com isso. As espécies animais têm necessidades específicas que devem ser atendidas para que possam expressar seus comportamentos naturais e ter saúde física, mental e social. A convivência entre pessoas e animais pode ser benéfica para ambos, mas é indispensável que as diferenças sejam compreendidas para que ocorra a qualidade de vida.

P: Quais são os limites «saudáveis» para um bom relacionamento entre as pessoas e os seus animais? O que é necessário para que ambos se beneficiem da relação, mais do que os objectos materiais e o dinheiro que se mostra gastar com eles?

R: Os animais têm um vinculo estreito e estratégico com os seres humanos na promoção de saúde, na redução do estresse, no desenvolvimento de afetividade e habilidades sociais, no aprendizado e melhoria de qualidade de vida. São agentes promotores de saúde e bem estar e contribuem para facilitar e tornar avida mais agradável. Sabe-se que promovem a vida além de desenvolver o potencial humano, a generosidade, sociabilidade e compaixão. A condição básica para uma vida compartilhada saudável é o respeito às necessidades fisiológicas, mentais e sociais. Deve-se buscar informações adequadas para promover no dia-a-dia uma vida enriquecida e harmoniosa para humanos e animais que convivem constituindo uma nova configuração da família.

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