terça-feira, janeiro 3

ATÉ QUANDO?

Justiça ignora maus-tratos a animais de estimação
 No Brasil, algumas práticas de crueldade animal, como as rinhas de galo e a Farra do Boi, são consideradas ilegais e punidas com cadeia. Mas há um tipo de violência contra bichos quase ignorada pelas autoridades e pela Justiça: os maus tratos contra cães, gatos e outros animais de estimação.

O caso mais recente foi um vídeo publicado na internet em 14 de dezembro mostrando um pequeno cão yorkshire espancado por uma mulher em Formosa, no interior de Goiás. A violência é presenciada por uma criança pequena, supostamente a filha da agressora. Segundo a polícia, o cão morreu. Também os casos de Titã, enterrado vivo em Novo Horizonte, e Lobo, o rottweiler que morreu depois de ser amarrado a um carro e arrastado pelo próprio dono em Piracicaba, ambos em São Paulo, chamaram atenção. Infelizmente, esses não são episódios isolados.

O crime de maus tratos não costuma ser considerado caso de polícia nem mesmo pela polícia – apesar de o ser. Os registros são precários e não há dados oficiais sobre os abusos cometidos contra animais domésticos no Brasil. O dia a dia das entidades que resgatam esses bichos, no entanto, dá uma ideia de como as agressões são recorrentes. “Pela quantidade de cães que temos aqui já é possível ter uma ideia do tamanho desse universo de crueldade", afirma Claudia Demarchi, presidente da ONG Clube dos Vira-Latas, de Ribeirão Pires. "Recebemos mais de 100 e-mails e telefonemas por dia com denúncias e cerca de 20% estão relacionadas a maus tratos”.

No canil que coordena há sete anos, ela cuida de aproximadamente 500 cães. Entre eles há vários “Titãs” e “Lobos”, animais mutilados e traumatizados pela crueldade dos homens.

O cão Toni, por exemplo, foi arrastado pelo dono, tal como Lobo. Ele perdeu parte da pata esquerda e, há um ano, recebe tratamento no Clube dos Vira-Latas. O pitbull Ezequiel teve as duas patas dianteiras quebradas e os olhos queimados com cigarro. Brutos ficou 11 anos amarrado a uma corda de pouco mais de um metro na laje de casa. Quando foi resgatado com apoio da polícia, mal conseguia andar. A mascote do lugar, Fraldinha, foi jogada em um rio com a coluna quebrada. Hoje, ela se locomove com o auxílio de uma cadeira de rodas.

Cada animal precisa passar por, no mínimo, três meses de tratamento e readaptação até poder ser liberado para adoção. Só neste ano, o Clube dos Vira-Latas conseguiu encontrar um lar para 380 cães, como Kadu, encontrado na rua com duas patas quebradas. Uma teve de ser amputada e, a outra, ficou com sequelas. A família da secretária Verônica Kubalack Ferreira, de 48 anos, esperou três meses para levá-lo para casa. "Valeu muito a pena aguardar a recuperação", diz Verônica. "Apesar de ainda ser um pouco assustado, ele é muito carinhoso. E ter o Kadu me despertou ainda mais para a causa dos animais maltratados".

O Centro de Controle de Zoonoses da cidade de São Paulo recebeu neste ano 8.702 denúncias de maus tratos e mais da metade foi confirmada após vistoria. Em média, são 14 casos por dia.

Penas brandas
 Miriam Miranda, presidente da ONG Vira Lata, Vira Vida, de Piracicaba, acompanhou de perto o caso de Lobo. Ela diz que os maus tratos contra animais domésticos se perpetuam porque a penalidade para esse tipo de crime é muito branda.

“Não há possibilidade de uma pessoa que maltrata e mata um animal acabar presa", constata Miriam. "No caso do Lobo, por exemplo, a pena foi uma multa de dois salários mínimos (1 090 reais) e trabalho voluntário de 120 horas no canil municipal. Isso é muito pouco. Só o tratamento para tentar salvar a vida do Lobo custou 7 500 reais”. Lembre-se aqui que são raras as ONGs de proteção aos animais que recebem dinheiro público. A maioria delas sobrevive de doações e sob o risco permanente de fechar por falta de recursos.

O caso do rottweiller criou uma mobilização nacional que levou ativistas até Brasília para pedir que a lei seja mais dura. Hoje, os maus tratos contra animais domésticos são enquadrados na lei de crimes ambientais (nº 9605/98). A pena varia de três meses a um ano de prisão – no máximo um ano e meio, se há a morte do animal. Os casos acabam convertidos em penas alternativas, com o pagamento de cestas básicas ou a realização de serviços comunitários.

Existem hoje em tramitação no Congresso Nacional 21 projetos relacionados à questão animal, alguns há mais de 10 anos. Mas nem todos vêm para melhorar a situação. Um deles, de autoria do ex-deputado do PSDB de Alagoas José Thomaz Nonô, quer excluir das sanções penais as práticas contra animais domésticos ou domesticados. O projeto está pronto para ser votado e acaba emperrando outras propostas, como a da bancada do Partido Verde que pede o aumento da pena para maus tratos para até quatro anos de prisão.

"Se pedirmos para votar o projeto do PV, pelo regimento teremos que votar também o projeto do Nonô, que é sobre o mesmo tema", afirma o deputado federal Ricardo Izar (PSD-SP), presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais do Congresso. "E nosso receio é que ele seja aprovado". A estratégia é esperar até 2014 para que o projeto do tucano caduque. “O problema é que há pouca vontade política em relação ao tema dos animais", diz Izar. "Esse é considerado um assunto de menor importância”.

Para driblar essa morosidade, entidades de proteção aos animais do estado de São Paulo começarão uma campanha para conseguir 1,5 milhão de assinaturas e apresentar um projeto de iniciativa popular para a criação da Lei Lobo, que seria elaborada com a ajuda do Ministério da Justiça para aumentar a pena para agressores de animais. Até que a legislação do Brasil evolua, lobos e titãs continuarão a contar apenas com a caridade de algumas poucas cláudias, mirians e verônicas.

Fonte: Veja Online



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