segunda-feira, fevereiro 27

"Por trás do cão, sempre há o dono"


Sobre a polêmica do PitBull
*Por Joice Peruzzi

Muito já se falou nas últimas semanas sobre a polêmica dos cães ferozes, de sua proibição, legislação, etc. Certamente muitos textos e opiniões bem esclarecidas, mas também muita desinformação e dados infundados. Infelizmente, a cada acidente, que já é uma situação trágica, somam-se muitas especulações e debates que, ao final, não levam a nada, nenhuma mudança, nem na questão das leis para o porte de cães e posse responsável e nem na educação da população.
Esse texto, antes de partir para um lado ou outro, pretende fazer você refletir. Refletir sobre a forma mais correta, mais “humana” e ética de lidar com esse assunto.
Precisamos, antes de tudo, entender que o cão, independente de sua raça e porte é um animal com um comportamento específico, muito diferente do nosso. Qualquer cachorro tem dentes,musculatura e força suficientes para causarem um bom estrago com sua mordedura, mas claro, nos cães de grande porte, a possibilidade de injúrias mais graves é maior.
Cães podem usar a mordedura para comer, caçar, brincar, se comunicar e também, claro, para se defender ou defender seu território. Raramente a mordedura para defesa vem sozinha, normalmente acompanha-se todo um repertório de comportamentos, como sons, posturas e olhares específicos.
Se ele se comunicar e você entender, a mordida não irá acontecer.
O que acontece, no entanto, é que nós, humanos, achamos graça quando um Yorkshire de 1,5kg defende sua dona, não deixando ninguém chegar perto, mas abominamos um pitbull porque causou injúrias graves em um intruso de seu território, o que o dono, em geral, espera de um cão desses.
O que quero dizer com isso é que a agressividade é um fato em cães de diferentes raças. De onde essa agressividade vem é o que precisamos saber para lidar com essas situações tão graves e que sensibilizam todos envolvidos.
Estudos mostram que em torno de 30% do comportamento nos cães é herdado, o restante depende do ambiente e manejo. Isso mostra que todo criador de qualquer raça deveria fazer uma seleção genética importante, não só por características físicas, mas também comportamentais.
Quanto ao manejo e ambiente, o ideal é que qualquer cão permaneça pelo menos até os 50 dias com sua mãe e irmãos e que no seu novo ambiente seja muito bem socializado, especialmente até os 3 meses de idade, mantendo-se por toda sua infância, até a idade adulta. Todos os cães devem ter contato com crianças, barulhos diversos, pessoas de todas as etnias, idosos e outros cães. Desde filhote, devem ser ensinados limites para esses pequenos, como uma criança mesmo. Além de uma boa assistência veterinária e alimentação adequada, é necessário educar este cão, dar a ele ferramentas para que seja um animal de estimação ideal. A educação deve ser feita por técnicas que ensinam o bom comportamento, evitando punições físicas (parte da filosofia do treinamento positivo). E claro, todo cão deve se exercitar diariamente e receber carinho e atenção, numa convivência íntima com a família. Não tem condições de fazer tudo isso? Então não tenha um cão!
O problema é como fiscalizar essas atitudes ideais de um tutor. Eu acredito que somente a educação das pessoas de que um animal não é um objeto e necessita de cuidados físicos e comportamentais para garantir seu bem-estar é capaz de mudar esse cenário.
Mas precisamos agir para que não ocorram mais acidentes fatais como o ocorrido, não basta ficar culpando um ou outro...
As leis de raças de cães (as chamadas specific breed legislation) mudam em cada local do mundo, são municipais, estaduais ou federais. Aqui em Porto Alegre, a única lei que temos pede que cães de algumas raças usem focinheira e guia curta em locais públicos e que sejam adestrados (não especifica que tipo e que método de adestramento). Em alguns países, raças são proibidas e em outros a criação de algumas raças é bem regulamentada.
Muito se fala da proibição de raças, mas vamos pensar bem...quantos mestiços de pitbull, por exemplo, existem? Como provar que é um mestiço de pitbull? Ou seja, você proíbe a criação comercial, mas e a criação de fundo de quintal, como fica? E se proibir Pitbull e Rottweiler, outras raças e outros acidentes virão...foi assim com o Dobermann e o Fila brasileiro antigamente. E olha, a lista de potenciais assassinos, como os defensores mais inflamados da proibição falam, é grande: Dogo argentino, Mastiff, Mastim napolitano, Bull terrier, Bullmastiff, Pastor Alemão, Pastor Belga,Boxer, Dog Alemão, Dogue de Bordeaux, Cane Corso, Akita, etc.
As leis mais sensatas são aquelas baseadas na educação e fiscalização da criação de cães potencialmente agressivos. Os criadores dessas raças são cadastrados e fazem seleção rigorosa de comportamento em seus reprodutores. Os filhotes são vendidos após uma boa socialização com seus irmãos e pais e só são comercializados animais esterelizados, tanto machos quanto fêmeas. Os animais só são vendidos após entrevista e aprovação do futuro proprietário, que é constantemente fiscalizado, assim como os criadores.É uma situação idílica? Sem dúvida, mas acho uma solução mais duradoura e efetiva do que a simples proibição.
E vale lembrar que por trás do cão, sempre temos o dono. E cabe ao dono educar e dar uma boa condição de bem-estar ao animal. Não tenha um cão por ter ou para cuidar do pátio somente...ele pode, e deve, ser muito mais do que isso!

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 Médica Veterinária Homeopata CRMV-RS 10379 Comportamento de Cães e Gatos

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