domingo, novembro 18

GATOS X HISTÓRIA DA HUMANIDADE



Gatos provocam desentendimento entre preservacionistas e abrigos em Roma
Arqueólogos querem que abrigo para animais seja retirado de espaço subterrâneo


Roma — Gatos perambulam pelas ruas de Roma desde os tempos mais antigos, e recentemente acharam refúgio em uma associação de voluntários que vem cuidando carinhosamente, ao longo dos anos, de milhares de gatos que vagavam nas ruínas de um local onde acredita-se que Brutus teria esfaqueado Júlio César em 44 A.C.

O abrigo, localizado em um espaço subterrâneo onde está confinado um sítio arqueológico admirado, consiste em várias gaiolas claras e alinhadas que abrigam dezenas de gatos de rua de uma só vez, e ganhou fama — e doações — como atração turística popular.

Mas depois de algumas décadas de tolerância, se não uma quase autorização, com a ocupação, arqueólogos estatais da Itália dizem que a associação tem que se retirar, alegando que a ocupação ilegal pode danificar um monumento antigo e frágil. Os amantes de gatos emitiram uma resposta pronta: eles não têm intenção de sair.

— Se eles querem guerra, daremos guerra a eles. Os gatos precisam de nós — avisou Silvia Viviani, cantora de ópera aposentada e uma das fundadoras da associação do Santuário dos Gatos Torre Argentina.

O que se seguiu foi uma luta que atraiu uma série de autoridades da cidade, provocou uma enxurrada de e-mails de adoradores de gatos descontentes e revelou um enorme abismo entre a tradição e a legalidade, que colocou à prova as noções de Roma sobre sua herança cultural.

A batalha opôs autoridades de preservação que lutam fortemente para fazer os italianos obedecerem às leis que visam proteger seu patrimônio histórico contra uma raça especialmente agressiva de defensores de gatos — os chamados gattare.

No meio disso, estão os próprios gatos, habitantes antigos de Roma que foram declarados oficialmente "parte do patrimônio biocultural da cidade", observou Monica Cirinna, uma legisladora local do Partido Democrático que criou um departamento de defesa dos direitos animais quando a capital tinha um governo de centro-esquerda.

Roma tem inúmeras colônias de gatos, geralmente recebendo cuidados dos gattare do bairro que deixam pratos de plástico com petiscos para gatos em praças comunitárias ou calçadas.

E há mais associações voluntárias organizadas em prol de colônias maiores de gatos selvagens, algumas em sítios arqueológicos, incluindo um na Pirâmide de Céstio, do século I a.C., e outro no Mercado de Trajano, onde os gattare ganharam uma sala dentro da área antiga. Mas eles têm autorização oficial.

Mas o abrigo para gatos não tem, dizem as autoridades estaduais de arqueologia, que estão tentando fechá-lo, dois anos depois de o abrigo ter cometido o erro aparentemente fatal de pedir uma autorização para instalar um banheiro no local. Isso colocou o abrigo no radar dos oficiais, e agora eles insistem que o abrigo deve acabar, embora — com apenas equipamentos básicos como gaiolas, armários com remédios, móveis caindo aos pedaços e cestos de lixo — seja bem mais organizado do que os outros.

O abrigo, que cuida de 150 a 180 gatos por vez, fica perto da Área Sacra do Largo Argentina, um sítio arqueológico no centro da cidade, constituído de quatro templos da era republicana. Situado em um lugar onde só se anda agachado, criado durante a época de Mussolini, quando uma rua foi construída em cima do sítio, o abrigo fica diretamente sobre as ruínas do pódio travertino que os arqueólogos identificam como Templo D, uma construção do século II a.C.

— As amantes dos gatos estão ocupando um dos sítios mais importantes no Largo Argentina e isso é incompatível com a preservação do monumento — explicou Fedora Filippi, a arqueóloga do Ministério da Cultura responsável pela área.

O abrigo atraiu problemas imediatos, ela observou, como, por exemplo, turistas que jogam comida para os gatos, que então saem do abrigo e perambulam pelas áreas arqueológicas adjacentes, "o que torna a situação ainda pior".

Depois de uma inspeção, agentes sanitários decretaram o abrigo um ambiente impróprio para os voluntários e turistas, e sem falar para os gatos, ela disse.

— Isso não é por causa dos gatos. Eu jamais machucaria um gato. Eu moro com um, portanto não sou contra eles — Filippi constatou, dizendo, já cansada, que seu computador estava inundado de e-mails zangados dos adoradores de gatos.

Mas ela disse: "É nossa responsabilidade proteger o patrimônio arqueológico da Itália e obedecer à lei".

Discussões estão em andamento há dois anos a fim de encontrar uma solução para o abrigo de gatos, ela disse. Até agora elas têm sido infrutíferas e, a menos que uma alternativa seja encontrada logo, a associação dos gatos terá que ser despejada.

Os adoradores de gatos — todos voluntários — argumentam rispidamente que não estão incomodando a ninguém. O abrigo, segundo eles, ocupa o espaço de um antigo depósito. E mais importante, eles alegam ter castrado cerca de 29 mil felinos durante os últimos 20 anos, todas as despesas pagas por um número estimado de 10 mil benfeitores.

Sem o abrigo, o serviço veterinário já sobrecarregado de Roma seria forçado a lidar com centenas, potencialmente milhares, de novos gatos vira-lata, eles alegam. Esse serviço público é silenciosamente reconhecido há décadas pela administração pública, que permitiu que o abrigo crescesse e se modernizasse ao longo dos anos.

— No passado, a situação pode não ter sido aprovada, mas era tolerada. Ao silêncio e à inércia de sempre, para que nos deixem em paz — disse Viviani, que espera que a situação possa voltar.

Mudar a colônia para um lugar menos movimentado não é uma opção, segundo os voluntários. A associação precisa estar em um lugar visível para os turistas, que vêm do mundo todo para visitar e fazer doações. Ele também precisa de um espaço físico para acomodar as jaulas dos gatos doentes e para armazenar alimentos e outros suprimentos.

Recentemente o prefeito de Roma, Gianni Alemanno, que está se candidatando à reeleição para o ano que vem, ponderou e escreveu no Twitter que ele e seu gato, Certosino, "estão do lado dos gatos de Roma. Qualquer um que mexa com eles terá problemas".

— Gatos podem não votar, mas as pessoas votam — observou Viviani.

Umberto Broccoli, superintendente cultural de Roma, reconheceu que a situação era delicada.

— Os gatos de Roma são, por definição, tão antigos quanto os capitéis de mármore nos quais eles deitam. Temos que achar uma solução para equilibrar a herança arqueológica histórica de Roma com uma prática social histórica que tem sua própria tradição — ele disse.

Além disso, os gatos têm seus próprios hábitos.

— Eles não leem avisos. Voltarão para o Largo Argentina independentemente de se o abrigo está lá ou não, e os gattare e os turistas continuarão jogando comida para eles. A situação realmente não é tão simples — disse.

Fonte: THE NEW YORK TIMES

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