*Por Sílvia
Corrêa
É um ritual: estaciono e eles começam a
latir em um coral ritmado, igual todos os dias. Latem sem ver meu carro, porque
paro longe do portão. Certamente, o barulho do motor anuncia minha chegada.
Os latidos são muito semelhantes quando
Nenê, minha fiel ajudante, chega para trabalhar. Mas mudam completamente quando
o entregador de pizza toca a campainha, um pedestre desavisado caminha mais
perto do muro ou quando esquilos pulam entre as árvores.
Para quem os ouve, parece evidente:
eles conversam entre si e com os cães da vizinhança. E as características do
latido mudam conforme a mensagem que emitem: "Você chegou!",
"Cuidado, estranho" e "Bom dia, Nenê!". Será?
Ilustração: Tiago Elcerdo |
A veterinária Sophia Yan, da Universidade de Davis, na Califórnia, foi atrás das respostas. Ela gravou latidos de dez cães, emitidos em três situações: quando um estranho batia à porta, se eram deixados do lado de fora da casa e quando estavam brincando. Jogou tudo em um computador, que analisou frequência, duração e amplitude dos latidos. E concluiu que há ao menos dois tipos: de incômodo e de alegria. |
Na Hungria, cientistas foram além:
resolveram checar se os outros cachorros entendiam as mensagens. Eles gravaram
quatro sons: dois tipos de latidos (emitidos na presença de um estranho e
quando os cães eram amarrados a uma árvore e deixados sozinhos) e dois ruídos,
uma furadeira e um refrigerador.
Tocaram os sons para 14 outros cães,
monitorando a frequência cardíaca deles, e notaram que ela subia, e bastante,
apenas quando eram expostos ao latido de aproximação de estranhos.
Para os pesquisadores, não há dúvida:
os cães são capazes de emitir diferentes sons conforme a situação em que se
encontram e, mais do que isso, são capazes de perceber diferenças entre os
latidos originados em diferentes contextos.
Em resumo: eles falam. Nosso desafio,
agora, é compreender as sutis nuances dessa linguagem.
*Sílvia Corrêa cursou jornalismo e veterinária. Trabalhou
por 13 anos na Folha e, depois, nas principais emissoras de
televisão do país. Escreve aos domingos, a cada duas semanas, na revista
'sãopaulo
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