sexta-feira, abril 27

O PITBULL DE DUAS PERNAS


A partir da morte da cadela pitbull Artêmis, covardemente assassinada por um vigilante que trabalhava no campus da UFRGS-Universidade Federal do RS- o jornalista gaúcho Carlos Alberto Kolecza analisa as entrelinhas de textos de colunistas “vips”   e traça um primoroso e amargo quadro  de certos setores da Imprensa do Rio Grande do Sul. 
A seguir, o texto:


* Por Carlos Alberto Kolecza

Tem coisa no escarcéu de Paulo Sant’Ana e Davi Coimbra com o pitbull. Tantas vítimas de seguranças brutamontes e policiais truculentos e Sant’Ana se oferece para depor em defesa do vigilante que matou Artêmis, a cadela manca! Lance de terrorismo midiático. As estátuas vivas do colunismo não franzem a sobrancelha quando alguém paga com a vida pelo azar de topar com uma fera que age em nome da lei e da ordem.
Lembro de um rapaz morto por um vigilante ao pular o muro da sede campestre do SESC onde se realizava um show. Em aventura típica da idade-podia ser o filho de qualquer um- o rapaz foi abatido ao tocar o chão. Prontamente, o diretor da empresa – a mesma do matador de Artêmis – explicou que o vigilante agira de acordo com as normas da função. A segurança a qualquer preço parece ser a prioridade 1 das normas do jornalismo de opinião.
Por falar em lei e ordem, leram direito a coluna de 28 de março de Sant’Ana? Vale a pena ler de novo. Linhas e entrelinhas da mais rombuda nostalgia de um certo passado recente. Nela, cobra “energia e força” da Brigada Militar com  passeatas que atrapalham o trânsito. “São uns desordeiros, terão de ser reprimidos.” Doze marteladas nas palavras desordem e desordeiros, afora o título.
Jornalista aprende logo a se cuidar de palavras xaroposas, tóxicas ou altamente inflamáveis, repressão, por exemplo, uma senha de retrocesso no túnel do tempo. É apagar fogo com gasolina receitar repressão a alguém fardado que sonha figurar como herói da lei e da ordem na coluna mais lida. Há um elo oculto entre o apelo de repressão às passeatas e o oferecimento de testemunho ao vigilante. É o furo da bala. A má fama do pitbull entra na história simbolicamente, no lugar dos desordeiros das passeatas, pitbulls de duas pernas, mal-vistos pela compulsão à contestação, à polêmica e ao ajuntamento de espaços públicos e por isso frequentemente criticados em editorial da ZERO HORA. O pitbull de duas pernas vagueia em bandos ao longo do Paralelo 30 e periodicamente  promove levantes e revoluções e, mais recentemente, fóruns que atraem milhares de pitbulls de duas pernas de todos os cantos do planeta. Felizmente. Aprenderam a despistar a repressão disfarçando-se de professores, sem-teto, sem-terra ou com-pouca terra, papeleiros, carroceiros, carrinheiros, motoqueiros, estudantes, ciclistas, cachorreiros e, incrível, vigilantes de bancos.  Os Cachorreiros apanharam  de graça na coluna em que Davi desancou o governador atual pela herança maldita que recebeu dos  antecessores, “as masmorras onde fezes e urina escorrem pelas paredes” do Presídio Central. Estou atrás da coluna contra a cela especial de criminosos portadores de canudo superior. Com certeza, escreveu contra esse privilégio. A privatização não resolve, enquanto cadeia for só para o zé-povinho.
Um ditado bagaceiro de antanho em forma de pergunta se aplica à ligação entre cachorreiros e o suplício dos presidiários que David descobriu com clarividência colunística. David maneja como poucos a fórmula demofóbica de um repelente de breguice da população que precisa sair à rua para sobreviver.
É alérgico a músicas folclóricas, em particular peruanas e bolivianas, e a pessoas de nomes desgastados como Agenor e Geni, geralmente de pele picumã e cabelo engrouvinhado.
As assinaturas de grife são ultrassensíveis a alterações no entorno profissional. Será por causa dos pitbulls de duas pernas escondidos entre os 40 milhões que, de hora para outra, viraram gente sem pedir licença aos príncipes da linguagem “direitosa”? Algo hay.
P/S – Sempre admirei a lucidez de Paulo Sant’Ana diante das campanhas sujas de grande mídia.
*Jornalista

**Para outras informações sobre o caso do assassinato da cadela Artêmis, consulte nosso arquivo nos dias 12,14 e 15 de abril


Nenhum comentário:

Postar um comentário