A partir da morte da cadela pitbull
Artêmis, covardemente assassinada por um vigilante que trabalhava no campus da
UFRGS-Universidade Federal do RS- o jornalista gaúcho Carlos Alberto Kolecza analisa
as entrelinhas de textos de colunistas “vips” e traça
um primoroso e amargo quadro de certos
setores da Imprensa do Rio Grande do Sul.
A seguir, o texto:
* Por Carlos Alberto Kolecza
Tem coisa no escarcéu de Paulo Sant’Ana e Davi Coimbra
com o pitbull. Tantas vítimas de seguranças brutamontes e policiais truculentos
e Sant’Ana se oferece para depor em defesa do vigilante que matou Artêmis, a
cadela manca! Lance de terrorismo midiático. As estátuas vivas do colunismo não
franzem a sobrancelha quando alguém paga com a vida pelo azar de topar com uma
fera que age em nome da lei e da ordem.
Lembro de um rapaz morto por um vigilante ao pular o muro
da sede campestre do SESC onde se realizava um show. Em aventura típica da
idade-podia ser o filho de qualquer um- o rapaz foi abatido ao tocar o chão.
Prontamente, o diretor da empresa – a mesma do matador de Artêmis – explicou
que o vigilante agira de acordo com as normas da função. A segurança a qualquer
preço parece ser a prioridade 1 das normas do jornalismo de opinião.
Por falar em lei e ordem, leram direito a coluna de 28 de
março de Sant’Ana? Vale a pena ler de novo. Linhas e entrelinhas da mais rombuda
nostalgia de um certo passado recente. Nela, cobra “energia e força” da Brigada
Militar com passeatas que atrapalham o
trânsito. “São uns desordeiros, terão de ser reprimidos.” Doze marteladas nas
palavras desordem e desordeiros, afora o título.
Jornalista aprende logo a se cuidar de palavras
xaroposas, tóxicas ou altamente inflamáveis, repressão, por exemplo, uma senha
de retrocesso no túnel do tempo. É apagar fogo com gasolina receitar repressão
a alguém fardado que sonha figurar como herói da lei e da ordem na coluna mais
lida. Há um elo oculto entre o apelo de repressão às passeatas e o oferecimento
de testemunho ao vigilante. É o furo da bala. A má fama do pitbull entra na
história simbolicamente, no lugar dos desordeiros das passeatas, pitbulls de
duas pernas, mal-vistos pela compulsão à contestação, à polêmica e ao
ajuntamento de espaços públicos e por isso frequentemente criticados em
editorial da ZERO HORA. O pitbull de duas pernas vagueia em bandos ao longo do
Paralelo 30 e periodicamente promove
levantes e revoluções e, mais recentemente, fóruns que atraem milhares de
pitbulls de duas pernas de todos os cantos do planeta. Felizmente. Aprenderam a
despistar a repressão disfarçando-se de professores, sem-teto, sem-terra ou
com-pouca terra, papeleiros, carroceiros, carrinheiros, motoqueiros,
estudantes, ciclistas, cachorreiros e, incrível, vigilantes de bancos. Os Cachorreiros apanharam de graça na coluna em que Davi desancou o
governador atual pela herança maldita que recebeu dos antecessores, “as masmorras onde fezes e urina
escorrem pelas paredes” do Presídio Central. Estou atrás da coluna contra a
cela especial de criminosos portadores de canudo superior. Com certeza,
escreveu contra esse privilégio. A privatização não resolve, enquanto cadeia
for só para o zé-povinho.
Um ditado bagaceiro de antanho em forma de pergunta se
aplica à ligação entre cachorreiros e o suplício dos presidiários que David
descobriu com clarividência colunística. David maneja como poucos a fórmula
demofóbica de um repelente de breguice da população que precisa sair à rua para
sobreviver.
É alérgico a músicas folclóricas, em particular peruanas
e bolivianas, e a pessoas de nomes desgastados como Agenor e Geni, geralmente
de pele picumã e cabelo engrouvinhado.
As assinaturas de grife são ultrassensíveis a alterações
no entorno profissional. Será por causa dos pitbulls de duas pernas escondidos
entre os 40 milhões que, de hora para outra, viraram gente sem pedir licença
aos príncipes da linguagem “direitosa”? Algo hay.
P/S – Sempre admirei a lucidez de Paulo Sant’Ana diante
das campanhas sujas de grande mídia.
*Jornalista
**Para outras informações sobre o
caso do assassinato da cadela Artêmis, consulte nosso arquivo nos dias 12,14 e
15 de abril
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